O início dos programas de vacinação contra a COVID-19 nos Estados Unidos e no Reino Unido tem suscitado expectativas no Brasil. Enquanto isso, o governo federal e o governo do estado de São Paulo estão em clima de disputa a respeito da Coronavac, imunizante desenvolvido pela empresa chinesa Sinovac.
Entre os dois governos está a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pois é de sua responsabilidade liberar a autorização do uso de qualquer imunizante no Brasil. Interlocutores de João Doria, governador de São Paulo, disseram que ele estaria preparado para levar a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF) na hipótese de a Coronavac não ser avaliada pela Anvisa até o início de 2021.
No início de dezembro, o governador paulista anunciou um plano de vacinação contra a COVID-19 que começaria no dia 25 de janeiro, utilizando doses da Coronavac, produzidas por meio de um acordo entre o Instituto Butantan e a empresa chinesa Sinovac. Mas nos últimos meses, o imunizante tem sofrido resistência pelo governo federal.
Em outubro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello foi desdito por Bolsonaro depois de ter anunciado a intenção do governo federal de comprar 46 milhões de doses da vacina chinesa. Algumas horas depois do anúncio de Pazuello, o presidente declarou que o país não compraria o imunizante da Sinovac.
Semana passada, em reunião com os governadores, Pazuello desconsiderou a Coronavac e antecipou que a Anvisa só vá aprovar a vacinação contra COVID-19 em fevereiro. Contudo, no dia 9 de dezembro, o ministro declarou que a Coronavac também poderá ser usada no plano nacional de imunização caso seja aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária.
Críticos do governo federal têm notado movimentos no Planalto que indicam uma tentativa de garantir o controle político sobre a Anvisa. Mas em entrevista a DW Brasil, o médico e ex-presidente da Anvisa Claudio Maierovitch afirmou que a agência “não deve ser submetida a pressões que não aquelas de natureza técnica e científica”.
Vacinação contra a COVID-19: uma brecha na lei
Mas realmente é possível que a questão da vacinação contra a COVID-19 possa chegar ao STF? Segundo o jurista e professor da FGV-Direito Carlos Ari Sundfeld não diretamente.
Em entrevista a DW Brasil, o jurista explicou que “em tese, se a Anvisa criar problemas indevidos, isto é, adiar sem razão ou indeferir sem justificativa, o Judiciário pode ser acionado para rever o ato da agência. A competência não é diretamente do STF, mas da Justiça Federal da primeira região, em Brasília”.
Contudo, há aqueles que vejam uma brecha na lei que poderia ser usada para agilizar a vacinação contra a COVID-10 no Brasil. Como medida emergencial, outra agência reguladora do Brasil poderia aprovar imunizantes sem a necessidade de aguardar a autorização da Anvisa.
E fevereiro, no início do estado de calamidade pública, uma lei de emergência sanitária foi sancionada pelo governo federal. A Lei 13.979/2020 previa a “autorização excepcional e temporária para a importação e distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate à pandemia do coronavírus”.
Essa lei foi usada em abril deste ano pelo STF em favor dos governadores e prefeitos para estabelecer planos de ação para a contenção da pandemia de COVID-19 que eram mais duras que as recomendadas pelo Ministério da Saúde. De acordo com essa norma a autorização da Coronavac para a vacinação contra a COVID-19 poderia ser obtida sem a autorização da Anvisa por conta do artigo 3º, inciso III, alínea D “as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras” medidas como a “vacinação e outras medidas profiláticas”.
Em maio, o Congresso derrubou vetos presidenciais à Lei 13.979 e ainda acrescentou o inciso VIII no artigo 3º. Esse inciso diz ser permitido conseguir uma autorização para a vacinas ou medicamentos desde que fossem registrados por pelo menos uma das seguintes autoridades sanitárias estrangeiras: FDA (EUA), EMA (União Europeia), PMDA (Japão) ou NMPA (China).
Posicionamento da Anvisa
Segundo o fundado e ex-presidente da Anvisa, o sanitarista Gonzalo Vecina Neto, em entrevista à DW Brasil, a agência não pode recusar fazer o registro de um produto caso toda a documentação, referente de todas as fases obrigatórias de testes, for entregue corretamente. O sanitarista considera a questão da vacinação contra a COVID-19 como uma “dança de pavões”.
Vecina explica que o protocolo tradicional da agência para registrar um imunizante seria de 1 a 2 anos. Mas que o cenário de emergência sanitária imposto pela pandemia, permite o prazo seja reduzido para 90 dias, ou em caso de submissão final, o registro pode ser feito em 30 dias.
Ao longo da pandemia a Anvisa passou a aceitar um acompanhamento de “submissão contínua” das fazes de testes, normalmente tudo é analisado somente depois da conclusão das testagens. O ex-presidente da Anvisa aponta que “o que a agência não poderá fazer é demorar sem razão, procrastinar. Temos de cuidar para que isso não aconteça, pois seria sinal claro de que estaria havendo interferência política na análise”.
“É óbvio que pode acontecer uso político da agência. Seria uma coisa ignorante, muito idiota, pois todo mundo vai ficar sabendo. Se toda a documentação é entregue e não há uma resposta, tem de existir uma causa e a causa obviamente será essa questão da politização. Se isso acontecer, o cheiro será sentido à distância”, acrescentou Vecina.
Em esclarecimentos à DW Brasil, a Anvisa enviou uma nota afirmando que a agência conta “com mecanismos de priorização de análise para dar maior celeridade ao processo de avaliação de produtos de interesse do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde”.
A respeito da escolha dos novos nomes da cúpula da agência, a Anvisa disse apenas que “a nomeação de diretores de todas as agências é feita pelo presidente da República, sendo que os candidatos são submetidos ao crivo do Congresso Nacional por meio de sabatina e aprovação de sua indicação ou não pelo Senado”.