Com o avanço das pesquisas e garantias sobre as vacinas contra COVID-19 em produção, existe a probabilidade de que os governos tenham mais de uma opção disponível, o que possibilitaria uma mistura de imunizantes. Mas seria recomendável a mesma pessoa tomar mais de um imunizante de laboratórios diferentes? Alguns profissionais são contra essa possibilidade, uma vez que não existem estudos conclusivos sobre os riscos de intercambialidade entre as vacinas.
Em entrevista à Revista Exame, especialistas preveem que no início haverá poucas opções de vacina, mas isso deve aumentar com o passar do tempo. Para as vacinas contra COVID-19 que precisam de duas doses para ter uma proteção efetiva, os especialistas recomendam que as pessoas tomem o imunizante do mesmo fabricante.
Desde o início da pandemia, laboratórios do mundo todo estão em uma corrida contra o tempo para produzir uma vacina contra a COVID-19 que seja eficaz e segura. Dessa forma, muitos imunizantes ainda vão depender de testes e logísticas bem organizadas para que possam ser distribuídos a população.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), hoje, das mais de 190 vacinas estão sendo desenvolvidas, apenas dez estão na última fase de testes. O Brasil, por meio do Ministério da Saúde, estabeleceu acordos com o laboratório AstraZeneca (Oxford), a farmacêutica Pfizer e a empresa chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan.
O governo federal também fez um acordo com o Covax Facility, que é um consórcio global de governos e fabricantes com o objetivo de promover a produção e o acesso global a um imunizante contra a COVID-19.
Intercambialidade entre vacinas contra COVID-19
A respeito do uso de mais de uma vacina ao mesmo tempo, Rosana Richtmann, médica e infectologista do Hospital Emílio Ribas (SP), relata que “em outras campanhas de vacinação não é incomum a gente usar fabricantes diferentes. Mas são vacinas que temos estudos de intercambialidade. Nós não teremos essa informação com a COVID-19, se a resposta vai ser a mesma. Então, em um primeiro momento, eu não acho saudável isso”.
O diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações, Renato Kfouri, explica que cada vacina pode ter uma resposta melhor em determinados grupos, como idosos. “Não teremos vacinas iguais, protegendo da mesma forma. Os estudos vão mostrar como ela funciona em jovens ou em pessoas com doenças crônicas”.
“A vacinação vai depender de muitos fatores, sendo prioritário nos grupos de risco. E tomar mais de uma, de fabricante diferente, não será a recomendação. Muito menos tomar a primeira dose de um fabricante e a segunda dose de outro. O Programa Nacional de Imunizações vai organizar toda esta logística e o Brasil tem experiência nisso”, acrescenta Kfouri.
Exceção
Já o imunologista Gustavo Cabral, um dos coordenadores da pesquisa do projeto de vacina contra a COVID-19 no Brasil desenvolvido pela FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), cogita que talvez possa ser feita uma exceção no caso da COVID-19, apesar de essa não ser uma escolha ideal.
“Em teoria, quando você toma uma vacina, não teria necessidade de tomar outra”, afirma o imunologista. Contudo, a COVID-19 impôs um novo desafio, vacinas nunca haviam sido desenvolvidas tão rapidamente. Uma vez que o vírus do SARS-CoV-2 é conhecido há apenas cerca de oito meses, ainda é muito cedo para que a ciência entenda totalmente como ele é.
Por essa razão que o imunologista Gustavo Cabral considera plausível, neste caso, a possibilidade de tomar duas vacinas diferentes. Mas acrescentou que essa opção precisa ser feita com orientação científica adequada, do contrário não é recomendado que se misturem duas vacinas contra a COVID-19.
Imunização com a vacina contra a COVID-19
Apesar de que agora se façam recomendações sobre não misturar as vacinas, é possível que no futuro se pense diferente, caso as vacinas contra COVID-19 que estão sendo produzidas garantam imunidade por tempo limitado. Nancy Bellei, infectologista e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que é preciso considerar duas hipóteses importantes a respeito de quanto tempo dura a imunidade depois de casa dose da vacina.
A infectologista explica que “a saída, em médio prazo, parece possível, porque essas vacinas induzem produção de anticorpos e, aí, boa parte das pessoas vacinadas estaria protegida. Você diminui a cadeia de transmissão. Em longo prazo, o ideal é que essas vacinas pudessem ativar a imunidade celular, que seria a imunidade de memória, porque os títulos de anticorpos [quantidade presente dessas células no organismo] caem [após a infecção], então precisamos ter imunidade celular”.
Até o momento, o que se sabe sobre as pessoas que contraíram a COVID-19 perderam os anticorpos no decorrer de semanas, uma média de 100 dias. De acordo com Bellei, os estudos têm mostrado que depois desse período o sistema imunológico vai perdendo o nível de anticorpos e não há uma certeza de quando resta de imunidade celular para proteger o corpo em caso de uma nova infecção.
Agora, se as vacinas potenciais não tiverem capacidade para ativar a imunidade celular, o problema não será resolvido em longo prazo. “É totalmente diferente, imunidade celular não é anticorpo, ela é a memória imunitária que a gente faz com algumas doenças: sarampo, caxumba, rubéola, catapora, que nunca mais a pessoa pega, porque tem imunidade”, orienta Bellei sobre os desafios da pandemia da COVID-19.
Como assim, imunidade celular?
Em resumo, o organismo tem duas respostas às doenças infecciosas: a imunidade humoral e a imunidade celular. A imunidade humoral é composta pelos anticorpos, essa é a primeira resposta do organismo a uma infecção (uma das respostas esperadas com vacina contra a COVID-19), contudo, essa é uma imunização temporária, ela só dura enquanto houver anticorpos.
Já a imunidade celular tem caráter mais permanente. Uma vez que mesmo sem a presença dos anticorpos, o organismo consegue produzir defesas rapidamente contra um agente infeccioso com que já teve contato, ou seja, por meio da memória imunológica.
Por isso é necessário que os estudos continuem e acompanhem as respostas imunológicas que poderão ser conquistadas por meio das vacinas contra a COVID-19 que serão utilizadas. Para que se saiba com segurança quanto tempo essa resposta vai permanecer no organismo, e como garantir a melhor imunização a todas as pessoas.