Nesta segunda-feira (07/12) a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta sobre a investigação em andamento do possível primeiro caso de Candida auris no Brasil. A pessoa possivelmente infectada é um paciente hospitalizado na Bahia com COVID-19. De acordo com o alerta da Anvisa, o Candida auris se trata de um “fungo emergente que representa uma séria ameaça à saúde pública”.
A primeira notificação sobre o superfungo foi em 2009, no Japão. Desse tempo para cá o fungo já se espalhou por mais de 30 países e causa preocupação por ser “multirresistente” a medicamentos e sua taxa de fatalidade. Presume-se que as infecções fúngicas de Candida auris levaram a morte entre 30% e 60% dos pacientes.
Pesquisadores chineses estimam que ao menos 4,7 mil pessoas já estejam infectadas pelo Candida auris. Esses dados foram publicados na revista científica BMC Infectious Diseases em novembro deste ano. Entre 2012 e 2013 houve um surto de casos na Venezuela, que atingiu 18 pacientes. O maior surto relacionado ao C.auris aconteceu em 2015, na cidade de Londres, com 22 pessoas infectadas e 28 colonizadas.
Então, em 2017, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) publicou um alerta informando as medidas de prevenção a serem adotadas para controlar o surte de casos relacionagos ao superfungo nas regiões da América Latina e Caribe.
Candida auris, um novo desafio
A dificuldade em identificar o fungo por meio de exames é um dos maiores desafios relacionados e essa doença. O método utilizado para identificar o Candida auris no paciente da Bahia foi o chamado Maldi-Tof, esse recurso sofisticado e caro foi necessário uma vez que o superfungo pode ser confundido com outras espécies de leveduras, como a candidíase comum, em outros tipos de testes.
Por exemplo, em 2016 na cidade de Cartagena, na Colômbia, houve cinco casos de infecção identificados. Mas os primeiros diagnósticos foram incorretos até que um método mais moderno de análise conseguir identificar corretamente o Candida auris.
Depois disso, em 2017, uma análise feita em 130 laboratórios em centros médicos de referência na América Latina concluiu que apenas 10% do total tem as técnicas e equipamentos necessários para fazer a diagnósticos corretos de doenças invasivas de acordo com os padrões europeus. A pesquisa foi publicada pelo médico infectologista Alessandro Pasqualotto, professor da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Superpatógenos
A organização Mundial de Saúde (OMS) considera a resistência microbiana (como de fungos e bactérias), como uma das maiores ameaças à saúde global. Essa preocupação vem do fato de essas doenças serem causadas por microrganismos que evoluem e se tornam mais resistentes e capazes de burlar medicamentos, como antibióticos e antifúngicos. Essa característica torna várias doenças difíceis de serem tratadas ou até mesmo intratáveis, pelos métodos disponíveis.
O comunicado da Anvisa, dado na segunda-feira (07/12), anunciou que o Candida auris “apresenta resistência a vários medicamentos antifúngicos comumente utilizados para tratar infecções por Candida”. De acordo com o documento “algumas cepas de C. auris são resistentes a todas as três principais classes de fármacos antifúngicos (polienos, azóis e equinocandinas)”
De acordo com Pasqualotto, o primeiro paciente identificado com Candida auris no Brasil, junto com a pandemia da Covid-19, representa um cenário no qual a humanidade está mais vulnerável a doenças que evoluem para nos infectar com maior eficácia e que ultrapassam todas as fronteiras do mundo.
“Então, a Candida auris é só a bola da vez. Assim como já foi o Staphylococcus aureus, que desenvolveu resistência à penicilina após a Segunda Guerra Mundial; depois o Enterococo resistente à vancomicina e tantos, tantos outros. Cada vez a gente tem menos antibióticos para usar e cada vez mais patógenos resistentes”, diz o infectologista.
Contaminação por Candida auris
De acordo com o alerta emitido em 2017 pela Anvisa, não há como saber precisamente a forma como o Candida auris é transmitida dentro de um hospital. Alguns estudos estimas que o contágio pode acontecer por contato com superfície ou equipamentos contaminados e de pessoa para pessoa.
Pasqualotto explica que cerca de 20 a 30 espécies do gênero Candida causam doenças em humanos e algumas delas são conhecidas por serem encontradas no ambiente hospitalar. Enquanto estar nas unidades médicas, elas vão colonizando cateteres e outros dispositivos médicos. Pessoas com imunidade debilitada, ou que passaram por cirurgias, ou que fazem uso intenso de antibióticos, são usadas pelos fungos como meio para se proliferar.
Em seu alerta, a Anvisa apontou que, além da multirresistência e da alta taxa de fatalidade, sobretudo para pacientes que já tem outras doenças, a Candida auris apresenta ainda o fator complicador de “permanecer viável por longos períodos no ambiente (semanas ou meses)” e apresentar “resistência a diversos desinfetantes” usados nos hospitais.
Muita calma nessa hora
O professor e médico infectologista, Alessandro Pasqualotto, diz que apesar das muitas semelhanças entre o superfundo e a COVID-19, e de o Candida auris ser uma doença muito resistente, é pouco provável que ele chegue a contaminar muitas pessoas.
“Em termos globais, ainda são poucos os casos. Não é porque temos a suspeita de um caso no Brasil que temos que fechar as fronteiras. Mas, dada a sua resistência, existe sim um alerta, porque (o fungo) pode causar surtos em pequenos núcleos, como no ambiente hospitalar”, declarou Pasqualotto.