Em dezembro de 2020 serão encerrados o auxílio emergencial e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm). Ambos projetos foram criados pela Medida Provisória 936 para ajudar os trabalhadores brasileiros financeiramente a passarem pela crise de coronavírus. No entanto, o fim da MP irá trazer “tempos duros” para as camadas mais vulneráveis da população no pós pandemia, segundo o economista Marcelo Neri.
Diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), Neri que coordenou dois estudos relacionados à pandemia. Em entrevista à revista Carta Capital, ele explicou como o benefício de R$ 600 (agora no valor de R$ 300) melhorou o cenário de pobreza que vem piorando nos últimos anos. No entanto, em sua análise, o economista chegou à conclusão que a situação irá piorar no próximo ano.
“Apesar de a desigualdade e a extrema pobreza estarem piorando de 2014 a 2019 essa mudança do auxílio emergencial foi tão forte que estamos no melhor momento da série. A pobreza nunca foi tão baixa e ela tinha aumentando no período anterior. Mas é um retrato fugaz, ele não vai se manter, até pelas condições fiscais brasileiras. É um paradoxo. Numa pandemia você espera uma situação social, só que essa situação social virá em 2021”, afirmou.
Quem mais vai sofrer com o fim do auxílio emergencial?
Uma das pesquisas liderados por Neri foi “Covid, Classes Econômicas e o Caminho do Meio: Crônica da Crise até Agosto de 2020″, que utilizou dados da Pnad Contínua do IBGE. De acordo com o estudo, o auxílio emergencial ajudou 15 milhões de brasileiros, com renda familiar per capta de até R$ 522,20). O economista explica que houve uma queda na renda do trabalho, mas o aumento da renda de forma geral, expandindo a classe C.
Sendo assim, o fim do pagamento do benefício fará com que essas pessoas retornem à situação financeira anterior. “A classe C foi municiada por dois movimentos: as pessoas que saem da pobreza e sobem e a classe média baixa, cerca de cinco milhões de pessoas, que caem”, explicou.
Neri continuou analisando: “Quem vai sofrer mais é que ganhou mais por conta do auxílio emergencial, que são os mais pobres. O auxílio foi relativamente generoso, pois multiplicou por seis a renda de alguém do Bolsa Família. Foram 1.200 reais para quase metade dos beneficiários do Bolsa Família. O benefício médio do Bolsa Família era de 191 reais. Eles foram os grandes vitoriosos do curto período, mas terá a volta dessas pessoas para a pobreza”.
Ele acredita que uma alternativa à queda econômica dos trabalhadores é criar um programa de transferência de renda tendo o Bolsa Família como base. Mas, em sua análise, ele explica que é necessário haver um limite de gasto para este projeto.
“O Brasil tinha uma situação fiscal das piores da América Latina e fomos mais generosos do que quase a totalidade dos países nas despesas fiscais. Vamos ter que buscar soluções parciais, pois não temos condições [fiscais] de enfrentar a escala do problema. Uma solução é [construir] um Bolsa Família 2.0, que fosse no máximo a 70 bilhões de reais. O pode fazer é, de um lado, fazer esse programa social mais robusto e, por outro, avisar as pessoas que o pior está por vir. O Brasil foi generoso, mas não sei se fomos sábios. Saberemos daqui a um ano”, disse.
A pandemia irá deixar cicatrizes trabalhistas
Além do fim do auxílio emergencial, Marcelo Neri também apontou que o risco do aumento de desemprego em 2021, como um dos fatores da volta à pobreza, é grande. De acordo com o estudo do FGV Social, o novo ano pode gerar “cicatrizes trabalhistas de natureza mais permanente abertas pela crise”. A previsão do economista é de que haverá uma dificuldade de incluir a quantidade de pessoas que voltarão a buscar emprego. Ou seja, o mercado de trabalho não será capaz de absorver a demanda de desempregados.
“A redução do horário de trabalho teve um efeito amortecedor. A perda de renda continuou, mas a redução da jornada deu uma chance para manter o emprego das pessoas. Só que, assim como o auxílio, é uma situação temporária. Os indicadores trabalhistas são ruins – estão recuperando pouco -, mas o desemprego nem aumentou tanto, apesar de ter 14 milhões de desempregados, um recorde. É só o começo, porque ele vai aumentar mais. Os pobres não sentiram todas as dores por conta das anestesias. Quando elas passarem, o efeito vai ser mais duro”, pontuou.